Esquece muito a quem não sabe.

"No artº 12º do Decreto-Lei nº 108/2006, de 8 de Junho, que estabelece as bases do processo civil simplificado (e experimental...) e entrará em vigor em Outubro próximo, fica consagrada a possibilidade de as testemunhas poderem depor por escrito. As reacções a esta inovação que ouvimos até agora variam entre a estupefacção e a indignação - por todos, veja-se este post do "Patologia Social".
Pondo de lado o aspecto emocional, creio que quem se lembrou de consagrar esta nova forma de depoimento nunca andou pelos Tribunais e não conhece uma realidade comezinha: é nos Tribunais, justamente a prestar-se depoimento, que mais se mente, que mais se falta à verdade, apesar do juramento exigido à testemunha.
Na maioria das situações não é muito difícil apurar-se se a testemunha está ou não está a mentir: essa conclusão extrai-se da convicção com que depõe, das hesitações que demonstra, da sua postura corporal, da forma como olha os advogados e juízes, das entoações da sua voz. Com o depoimento escrito essa possibilidade de averiguação perde-se de todo. É certo que o nº 3 do citado artº 12º estipula que o quando entenda necessário o juiz pode determinar a renovação do depoimento, agora prestado presencialmente. Mas das duas uma: ou os juízes passam a usar essa faculdade por sistema, esvaziando completamente o sentido da norma e tornando impossível o depoimento por escrito, ou contemporizam com ele e a ausência de verdade dos depoimentos passará a ser a regra.
Este é um bom exemplo de como um legislador pouco conhecedor da realidade no terreno pode prejudicar substancialmente a verdade dos julgamentos e as soluções equilibradas e justas.
Além disso a disposição que se comenta está tecnicamente mal formulada, podendo levar a resultados perversos: é que no nº 2 do artigo estipula-se que a testemunha indicará, entre outros elementos, que “está consciente” de que a falsidade das suas declarações a fará incorrer em responsabilidade criminal, mas não está consagrado o dever de prestar juramento ou o compromisso de honra – a testemunha não é sequer ajuramentada nos termos do articulado legal! Ora uma testemunha não ajuramentada não pode ser responsabilizada por não cumprir um juramento que não fez...
O amadorismo, o diletantismo e a falta de ligação à realidade têm destas coisas – como se costuma dizer, “
esquece muito a quem não sabe”.
O sistema vai-se
afundando tranquilamente à vista de todos - isto parece o Titanic: o barco afunda-se enquanto a orquestra continua tranquilamente a tocar as melodias da moda.", in Informática do Direito.

Comentários

rogério sousa disse…
A este propósito veja-se, o "Testemunho por escrito" no Ponto de Ordem de hoje do DN.

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