Um país sob escuta.

A missão dos órgãos de polícia criminal e do Ministério Público é investigar e acusar. Porque estes órgãos não estão ao serviço do seu capricho, intuição convicção politica, religiosa ou étnica, a sua arma será a sua capacidade de detectar, testar e investigar indícios que consubstanciem, com razoável grau de certeza e na observância de um rigoroso principio da legalidade, condutas criminosas. Por sua vez, a missão do Juiz de Instrução Criminal será garantir a legalidade e assegurar o justo equilíbrio no conflito entre os direitos fundamentais, neste caso o direito fundamental à reserva da vida privada em que se funda o segredo das comunicações e as exigências de interesse público da investigação. Porque o Juiz não é um justiceiro, a sua arma e o garante do cumprimento da sua missão é a sua capacidade analítica e crítica e a sua rigorosa formação jurídica. Para cumprir o seu papel de garante da legalidade o Juiz, antes de autorizar qualquer escuta (por um espaço necessariamente curto e quando esteja em causa um catálogo muito restrito de crimes), tem que ter informação, que analisa criticamente, sobre a séria e concreta hipótese criminosa. Efectuadas as gravações, cabe ainda ao Juiz de Instrução a selecção critica do que interessa à descoberta da verdade ou à prova que pretende fazer. O que não foi então seleccionado é destruído e o que foi seleccionado não pode sair do processo até ser, legalmente, tornado público, sob pena de responsabilidade criminal por violação do segredo de justiça.
Ora, quando confrontamos o elevado número de escutas telefónicas que se crê sejam feitas (fala-se em 40.000 por ano!), com o carácter subsidiário que estas deveriam ter, o número de processos em que efectivamente são usadas como prova e o número de condenações efectivamente conseguidas, temos que concluir que as escutas não estão a servir o propósito para que foram criadas. Quando juntamos esse dado ao facto de aparecerem nos jornais transcrições completas de escutas feitas no âmbito da investigação criminal, sem que daí resulte qualquer tipo de responsabilidade criminal para os autores da notícias ou os seus informadores dentro do sistema, então devemos começar a preocupar-nos. Não tanto com a lei ou com as escutas em si, que essas são feitas em todo lado e nem já ninguém hoje em Portugal fala ao telemóvel sem ser por código; mas com quem, tendo essa missão, não procura investigar, e, quando investiga fá-lo mal e sem método e seguindo sempre o caminho mais fácil, e com quem, tendo a obrigação de garantir a legalidade, autoriza por baixo, sem questionar o que está em causa, para que serve e o resultado que se espera vir a obter. Muito provavelmente a lei será objecto de revisão mas não é a lei que precisa de urgente reforma. Sérgio Catarino, http://www.ncadvogados.pt/

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