O Direito de Acção Popular.
Notas de palestra proferida sobre o Direito de Acção Popular. No actual momento, talvez com algum interesse. Sobre a mesma temática,ver entrevista ao Tribuna da Madeira:
"Sumário:
i) – A acção popular/direito de acção popular vs. Estado.
ii) – Os interesses tutelados.
iii) - Vantagens do direito.
I.- A Acção popular/direito de acção popular vs. Estado.
1.1.- As ideias de um Estado e da acção popular são, em si mesmas, indissociáveis [1]: o Estado moderno - que congrega, regra geral, um Território, um Povo e um Poder Político - tem uma muito estreita relação com o conceito de acção popular.
São aos indivíduos (povo) a quem se atribui tal direito para defesa de interesses não individuais e comuns (território e poder político).
O direito de acção popular constitui um manifesto meio de “de participação do cidadão na condução política do Estado” [2], seja para
i) defender interesses públicos, que devam ser prosseguidos por entidades públicas – as denominadas pessoas colectivas de direito público - da res publica [3], e/ou
ii) fiscalizar a legalidade da actividade ou actuação administrativa actuação dessas pessoas colectivas e dos seus órgãos e a defesa dos posições dos particulares [4].
Assim, a acção popular e correlativo direito é “um instituto intrinsecamente político”, um instituto de democracia directa, um direito político fundamental – incluído no elenco constitucional dos direitos, liberdades e garantias (art. 52º CRP) -, que através da participação dos cidadãos, cada um de per si, na vida do Estado e dos diversos entes administrativos, “tendo em vista a realização de interesses meta-individuais” [5].
Ao fim e ao cabo, corresponde à máxima liberal de que “o poder emana do Povo”, sendo que, deste modo, a acção popular é uma decorrência do princípio democrático.
II.- Os interesses tutelados pela acção popular.
São aos indivíduos (povo) a quem se atribui tal direito para defesa de interesses não individuais e comuns (território e poder político).
O direito de acção popular constitui um manifesto meio de “de participação do cidadão na condução política do Estado” [2], seja para
i) defender interesses públicos, que devam ser prosseguidos por entidades públicas – as denominadas pessoas colectivas de direito público - da res publica [3], e/ou
ii) fiscalizar a legalidade da actividade ou actuação administrativa actuação dessas pessoas colectivas e dos seus órgãos e a defesa dos posições dos particulares [4].
Assim, a acção popular e correlativo direito é “um instituto intrinsecamente político”, um instituto de democracia directa, um direito político fundamental – incluído no elenco constitucional dos direitos, liberdades e garantias (art. 52º CRP) -, que através da participação dos cidadãos, cada um de per si, na vida do Estado e dos diversos entes administrativos, “tendo em vista a realização de interesses meta-individuais” [5].
Ao fim e ao cabo, corresponde à máxima liberal de que “o poder emana do Povo”, sendo que, deste modo, a acção popular é uma decorrência do princípio democrático.
II.- Os interesses tutelados pela acção popular.
2.1.- A acção popular, de entre a multiplicidade de interesses [6], ocupa-se, prima facie, dos denominados interesses difusos [7] [8]; ou seja, de interesse que “…pertence a todos os indivíduos, ou a pelo menos a um grupo alargado de indivíduos, que se encontram numa situação de contitularidade de um bem decorrente de serem membros de uma mesma comunidade”.
Os bens objectos de tais interesses não são susceptíveis “de apropriação por qualquer um desses membros”[9] e são por natureza indivisíveis. Estes interesses são “pluralistas”, “solidários”, “comunitários” e “não patrimoniais” e “desinteressados”, sendo “ontologicamente públicos” [10].
2.2. Para além da noção de interesse difuso, importa concretizar qual o verdadeiro âmbito material de protecção do direito da acção popular.
Os bens objectos de tais interesses não são susceptíveis “de apropriação por qualquer um desses membros”[9] e são por natureza indivisíveis. Estes interesses são “pluralistas”, “solidários”, “comunitários” e “não patrimoniais” e “desinteressados”, sendo “ontologicamente públicos” [10].
2.2. Para além da noção de interesse difuso, importa concretizar qual o verdadeiro âmbito material de protecção do direito da acção popular.
Tradicionalmente, este era limitado organicamente à actuação administrativa das autarquias locais – Município e Freguesia –, ainda que, do ponto de vista material, as limitações eram as inerentes às esferas de atribuições dessas pessoas colectivas e ao exercício das competências pelos respectivos órgãos - cfr. arts. 369º CA e 822º CA., hoje em dia arts. 9º, 2, in fine, 57º, nº 1 – al. f), nº 2, 68º, al. d), CPTA -, estando em apreço a prossecução do interesse à legalidade objectiva.
A este propósito, encontramos denominada acção popular tradicional, limitada ao contencioso administrativo, e de entre esta correctiva e supletiva: a primeira visando a reintegração da legalidade violada por condutas administrativas e segunda como forma de ultrapassar a inércia das autarquias locais no sentido de “manter, reivindicar e reaver bens ou direitos…” que hajam usurpados ou lesados.
Do mesmo modo, prosseguindo os fins inerentes aos procedimentos eleitorais (transparência e independência e legalidade), a acção popular eleitoral – art. 59º, nº 1, LPTA; e, hoje em dia, art. 98º CPTA.
2.3. A Constituição de 1976, aperfeiçoada pelas sucessivas revisões constitucionais de 1982 e 1997, e, bem assim, a Lei da Acção Popular (Lei nº 83/95, de 31.8), “democratizou” e generalizou a acção popular.
i) desde logo, sujeita, organicamente, todas as pessoas colectivas (Estado, regiões autónomas e demais pessoas colectivas) ao seu crivo;
ii) depois, permitindo a sua operatividade através das jurisdição civil e penal, que não somente a administrativa, e atribui tal direito “a quaisquer cidadãos”, associações, fundações e às autarquias locais.
iii) em terceiro, enumera exemplificativamente os interesses difusos contemplados;
iv) impõe procedimentos administrativos obrigatórios (cfr. arts. 4º a 11º da LAP), na sequência já do disposto no art. 53º, nº 2, CPA quanto à legitimidade para defesa de interesses difusos.
2.4. Trata-se, com esta acção popular especial, para protecção de interesses difusos, como é bom de ver, de uma alteração fulcral, dir-se-ia coperniciana, na concepção da acção popular.
Os domínios de protecção são: a “saúde pública”, “direitos dos consumidores”, “a qualidade de vida”, “preservação do ambiente”, “património cultural” (al. a), nº 3, 52º CRP), “defesa dos bens do Estado, regiões autónomas e autarquias locais” (al. b)), “protecção do consumo de bens e serviços” e “domínio público” (art. 1º LAP, 9º, nº 2, CPTA.
A tutela, se atentarmos no texto constitucional e legal, compreende um enorme, vasto e genérico leque de interesses e de áreas de actuação a aferir casuisticamente e bastando que qualquer componente (transportes, impostos, segurança social, etc.) interfira com os interesses previstos (ambiente, qualidade de vida, etc.) para que acção popular possa operar.
A este propósito, encontramos denominada acção popular tradicional, limitada ao contencioso administrativo, e de entre esta correctiva e supletiva: a primeira visando a reintegração da legalidade violada por condutas administrativas e segunda como forma de ultrapassar a inércia das autarquias locais no sentido de “manter, reivindicar e reaver bens ou direitos…” que hajam usurpados ou lesados.
Do mesmo modo, prosseguindo os fins inerentes aos procedimentos eleitorais (transparência e independência e legalidade), a acção popular eleitoral – art. 59º, nº 1, LPTA; e, hoje em dia, art. 98º CPTA.
2.3. A Constituição de 1976, aperfeiçoada pelas sucessivas revisões constitucionais de 1982 e 1997, e, bem assim, a Lei da Acção Popular (Lei nº 83/95, de 31.8), “democratizou” e generalizou a acção popular.
i) desde logo, sujeita, organicamente, todas as pessoas colectivas (Estado, regiões autónomas e demais pessoas colectivas) ao seu crivo;
ii) depois, permitindo a sua operatividade através das jurisdição civil e penal, que não somente a administrativa, e atribui tal direito “a quaisquer cidadãos”, associações, fundações e às autarquias locais.
iii) em terceiro, enumera exemplificativamente os interesses difusos contemplados;
iv) impõe procedimentos administrativos obrigatórios (cfr. arts. 4º a 11º da LAP), na sequência já do disposto no art. 53º, nº 2, CPA quanto à legitimidade para defesa de interesses difusos.
2.4. Trata-se, com esta acção popular especial, para protecção de interesses difusos, como é bom de ver, de uma alteração fulcral, dir-se-ia coperniciana, na concepção da acção popular.
Os domínios de protecção são: a “saúde pública”, “direitos dos consumidores”, “a qualidade de vida”, “preservação do ambiente”, “património cultural” (al. a), nº 3, 52º CRP), “defesa dos bens do Estado, regiões autónomas e autarquias locais” (al. b)), “protecção do consumo de bens e serviços” e “domínio público” (art. 1º LAP, 9º, nº 2, CPTA.
A tutela, se atentarmos no texto constitucional e legal, compreende um enorme, vasto e genérico leque de interesses e de áreas de actuação a aferir casuisticamente e bastando que qualquer componente (transportes, impostos, segurança social, etc.) interfira com os interesses previstos (ambiente, qualidade de vida, etc.) para que acção popular possa operar.
2.5. A estes domínios, indicadas de forma genérica e vaga e, por consequência, de delimitação negativa caso a caso, situação a situação, o legislador determinou, ele próprio, a aplicação do regime da acção popular ao domínio das clausulas contratuais gerais (direito dos consumidores) – DL nº 446/85, de 25.10 – ao ambiente – LBA -, às Associações de Defesa do Ambiente, ao património cultural e à defesa do consumidor, ordenamento do território (planos urbanísticos), ultrapassando, desse modo, as dificuldades inerentes à redacção dos artigos 52º, 3, CRP e 1º LAP.
2.6. Acresce dizer que a tutela conferida pelo direito da acção popular é ampla, uma vez que a mesma compreende a prevenção, cessação e perseguição de quaisquer infracções dos interesses elencados.
Assim, podemos ter uma tutela preventiva (com especial enfoque para os procedimentos cautelares), correctiva e prossecutória, maxime indemnizatória.
III.- Vantagens do direito da acção popular
Assim, podemos ter uma tutela preventiva (com especial enfoque para os procedimentos cautelares), correctiva e prossecutória, maxime indemnizatória.
III.- Vantagens do direito da acção popular
3.1. O exercício do direito de acção popular por partes daqueles que têm para tanto legitimidade é, objectivamente, favorecido.
Assim, a existência de um regime especial de custas para tais acções - que determina a sua isenção (cfr. art. 20º LAP) -, e mesmo para os casos de improcedência parcial do pedido, a intervenção processual do juiz - que é amplíssima - e, bem assim, a eficácia do caso julgado.
Tal regime legal constitui um claro incentivo e convite à defesa e salvaguarda dos interesses materiais atrás mencionados.
1.- Notas de palestra realizada na Junta Freguesia de Gaula, no dia 5 de Março de 2004, a convite do seu então Presidente.
Tal regime legal constitui um claro incentivo e convite à defesa e salvaguarda dos interesses materiais atrás mencionados.
1.- Notas de palestra realizada na Junta Freguesia de Gaula, no dia 5 de Março de 2004, a convite do seu então Presidente.
Rogério Freitas Sousa"
[1] Neste sentido, Marques Antunes, in “O Direito de Acção Popular no Contencioso Administrativo”, Lex, 1997, p. 28 e ss.. Conexão com o aparecimento das relações jurídicas multipolares ou poligonais.
[2] Idem, idem p. 29.
[3] A tradicional acção popular supletiva, prevista no art. 369º do Código Administrativo de 1940.
[4] A apelidada acção popular correctiva, prevista no artigo 822º do Código Administrativo e presentemente no artigo 55º, nº 2, CPTA.
[5] Marques Antunes, Idem, p. 30.
[6] Cfr. noção de interesse em F. Nicolau Santos Silva, “Os interesses supra-individuais e legitimidade processual civil activa”, Quid Juris.
[7] Pertinente distinguir estes dos 1)interesses públicos, 2) individuais e 3) colectivos.
Os primeiros são os “interesses comunitários subjectivados nas pessoas colectivas públicas, em especial de âmbito territorial (Estado, regiões autónomas ou autarquias locais).
Os segundos são aqueles que “se reconduzem aos direitos subjectivos ou a interesses específicos de um determinado individuo”.
Os últimos “são, tal como os interesses individuais, interesses egoístas e particulares…” (…) “…organizados por forma a adquirem uma estabilidade unitária e organizada, de tal forma que se agregam a um determinado grupo ou categoria de indíviduos relacionados com um determinado bem jurídico”.- cfr. Marques Antunes, Idem, p. 36 e 37.
[8] Sem prejuízo do legislador entender, como efectivamente entende, proteger através da acção popular outros interesses que não os difusos. No caso português, os interesses inerentes ao contencioso eleitoral e o interesse público na legalidade. Assim, Marques Antunes, Idem., p. 47.
[9] Marques Antunes, Idem, p. 38 e 39.
Alguma jurisprudência entende que a acção popular tutela os denominados “interesses individuais homogéneos” (cfr., Ac. STJ, de 23/9/1997), os quais surgem quando “os membros da classe são titulares de direitos diversos, mas dependentes de uma única questão de facto ou de direito, pedindo-se para todos eles um provimento jurisdicional de conteúdo idêntico”. E distinguem-se, na opinião de Carlos Adérito Silva Teixeira (Acção popular em busca de um novo paradigma”, in www.diramb.pt), dos interesses colectivos por não ser possível a apropriação individual exclusiva do bem, daqueles.
Assim, o direito dos consumidores a não pagar a taxa de activação da PT corresponde a um interesse individual (dos consumidores) homogéneo (idêntico similar a todos eles). Já o direito à qualidade de vida, à saúde pública, ao ambiente são, por natureza, interesses difusos.
[10] Marques Antunes, Idem, p. 39.
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