almoços grátis?

Afinal, há ou não há almoços grátis? Ou muito se engana ou, pelo menos, cultural e socialmente não os há. Já no mundo da economia, parece o contrário. Antes de ter almoços grátis, leia:

"A expressão [Não há almoços grátis] tornou-se conhecida a partir da novela de ficção científica «Revolta na Lua» de Robert Heinlein, publicada em 1966. O economista Milton Friedman reutilizou-a e daí a sua popularidade na classe. Significa simplesmente que tudo o que é consumido tem que ser pago, por alguém. Quando num bar nos oferecem gratuitamente os aperitivos com a bebida, afinal estamos a pagá-los nesta. [...].
Qualquer pessoa entende isto. Mas generalizar uma tal situação a toda a actividade económica das sociedades é objectivamente um disparate. E desde logo por um motivo óbvio. Se a frase fosse verdadeira o capitalismo não seria possível. Pois o que é o lucro senão banquetes grátis para os investidores?
Os economistas, conhecidos por neoliberais, utilizam contudo a frase para combater o peso do Estado na economia. Dela deriva o princípio do utilizador/pagador, em que se propõe o pagamento dos serviços fornecidos pelo Estado. Ou seja, o fim do contrato social tal como o entendemos no contexto das democracias ocidentais, e, em coerência, o fim dos impostos e o quase desaparecimento do próprio Estado. A falta de seriedade de tais propostas revela-se precisamente quando se advoga simultaneamente o princípio utilizador/pagador e o aumento de todo o tipo de impostos directos e indirectos. Ou seja o argumento é ideológico, não é económico.
Em termos económicos «não há almoços grátis» significa que a cada benefício corresponde um custo. Aquilo a que na teoria dos jogos se chama de soma zero. O que custa de um lado, tem que ser pago noutro lado. Ou seja, numa relação linear, não dinâmica e onde o todo é equivalente à soma das partes. Ora quase nada funciona assim em economia. Pelo contrário, são os jogos de soma não-zero que melhor definem o essencial da actividade económica nas nossas sociedades. Num jogo de soma zero o que um ganha o outro perde. Enquanto nos jogos de soma não-zero não existe uma relação linear entre perdas e ganhos, podendo um ganhar e o outro perder ou os dois perderem ou ganharem. Neste caso observa-se que os ganhos são geralmente mínimos mas consistentes e dependem da interacção, sinergia e cooperação entre as partes. Procura-se um equilíbrio, com base na tendência de comportamentos anteriores.
A importância deste conceito em economia é evidente. As transacções comerciais são por exemplo de soma não-zero, pois quem vende e quem compra pretende sempre fazer um bom negócio. O preço é o ponto de equilíbrio que satisfaz ambas as partes. Mas em geral quase todos os processos económicos podem ser vistos como de soma não-zero, já que são criativos e evolutivos com ganhos e perdas em dinâmicas não-lineares. A soma não-zero pode ainda ajudar a esclarecer os valores subjectivos ou de uso, a satisfação por exemplo, que são fundamentais para a economia. E deve ainda compreender-se que não é necessário que exista uma relação directa entra as partes para que possamos falar de soma não-zero. Se os produtores de maçãs tiverem uma melhor colheita, ganham mais dinheiro, mas eu também sou beneficiado porque as maçãs este ano ficam mais saborosas e mais baratas. E, no entanto, não conheço nenhum produtor de maçãs, nem tive qualquer intervenção na matéria.
É assim que cada vez que um economista de referência profere a citada frase, só revela o atraso dos nossos economistas e do ensino que por cá se pratica. Não só a frase há almoços grátis está bastante mais de acordo com a realidade económica das sociedades, como nas suas implicações de todo superior à soma das partes ou de jogos de soma não-zero, se mostra bastante mais produtiva e estimulante." Leonel Moura, in Jornal de Negócios.

Leia, também, o Ensaio de Aproximação à Inveja.

Comentários

Su disse…
gostei de ler...........

jocas maradas
Eurydice disse…
Muito muito interessante, directriz!... Gostei mesmo desta reflexão. :)
Rui Caetano disse…
Texto esclarecedor. A imagem dos dois passarinhos é um mimo de ternura e beleza.
Parabéns.
rogério sousa disse…
bianca: muito me satisfaz saber que assim é!
rui: agradeço-os.

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