Ensaio de aproximação à Inveja.
Um remake. Porque jamais se deve esquecer os "mecanismos de defesa":
1. «A inveja é um mecanismo de defesa que pomos em actuação quando nos sentimos diminuídos no confronto com alguém, com aquilo que tem, com o que conseguiu fazer. É uma tentativa desajeitada de recuperar a confiança, a estima de nós próprios, minimizando o outro», escreveu FRANCESCO ALBERONI, no seu “Os Invejosos” (5ª ed., 2000, Bertrand Editora, tradução do original italiano “Gli Invidosi”, de 1991).
Olhemos, pois, a inveja. É este o exercício intelectual e opinativo que ora me proponho, seguindo os passos do livro do sociólogo italiano referido; um exercício não jurídico, para variar. E, para não variar, um escrito com a intenção de discutir, opinando séria e fundamentadamente; e de opinar, discutindo séria e fundadamente.
É voz corrente (pensamento?) entre nós, portugueses e madeirenses, que somos invejosos, ou melhor, que os outros portugueses/madeirenses são invejosos; e que isso é uma das causas do nosso “atraso”. Devemos, por isso, abordar tema tão corriqueiro, que é base de “corrosões humanas e sociais e até económicas”.
2. Na inveja há um confronto, subsequente a uma necessidade interior de defesa e resposta, com deformação ética. Um confronto interior com terrível dispêndio de energias. É que, afinal, o terreno onde germina a inveja parece ser o mesmo onde germina a competitividade; mas, depois, tudo se tolda: o invejoso perde-se e perde dentro da sujidade da inveja, desviando a energia positiva da competição para o pântano confuso e trapalhão da cólera, do ódio, da tristeza ou da renúncia interiores, iluminado pela frustração e pela mesquinhez disfarçada de distância.
No entanto, esta artificial distância do invejoso em relação ao invejado enfrenta um contradição insanável: a necessidade de julgar o outro. É que quando o invejoso julga, ele está a evitar a auto-humilhação ao invejar, pois nesse momento ela é um recuo estratégico para fugir à evidência que o corrói; e o invejado é, à vista do invejoso, melhor do que ele.
Mas, uma vez mais, o invejoso falha: o seu próprio veneno, com que agride, sufoca e intoxica o outro (o invejado, o ambiente), esse veneno também o miserabiliza mais cedo ou mais tarde, porque o invejoso também vai respirar o ódio ou a troça com que agride os outros. É que, mais cedo ou mais tarde, a condenação social descobre o invejoso (aquele que involuntariamente se sente menos) e, por isso, se vicia num ódio intermitente, num zombar ou numa distância artificiais em relação às vítimas da sua inveja, com a consciência do mal que quer fazer ao outro quando a “paixão” da inveja o atinge; é isto o que, afinal, define o invejoso. A inveja é, assim, um mal que o invejoso sente que recebeu, mas que ninguém lhe fez, em que a experiência interna do invejoso não se coordena bem com o juízo moral da sociedade sobre as virtualidades das comparações, donde brota a inveja competitiva, ou depressiva, ou obsessiva, ou maldosa, ou avarenta ou iniciadora (sobre estes conceitos, v. o autor citado, na obra citada, pp. 19 ss).
3. Na inveja, o invejoso revela a sua covardia interior. Ele foge às regras sociais da sã competição. Não quer “jogar” social e lealmente. Como se sente diminuído, convence-se de que naquela arena irá sofrer; então, cria uma arena artificial, a sua, para onde procura transportar outros, de forma a se sentir “social” e moralmente “normal”: aí odeia, zomba, “despreza”, finge que não vê ou que não ouve, tenta fugir ao invejado, àquele que ele pensa ser a causa da sua diminuição, que, afinal, é auto-infligida por uma mente primitiva.
4. Mas, a inveja também é parente da admiração pelo invejado? É na medida em que o invejoso luta contra a vitalidade, a força do invejado. Este, de que o invejoso não faz parte, representa um eu separado, distante, intangível para o invejoso. Este descobriu que também ele tem de conquistar; e é neste momento que algo no invejoso o impele à energia descendente da inveja e não à força ascendente do respeito ou da admiração pelos outros.
E isto é assim por quê? Porque o invejoso não quer ser como o invejado. Ele quer os resultados e o poder deste, seja a realização pessoal ou profissional, a auto-satisfação, a força ascendente, próxima da noção de energia vital de que tantos filósofos do século XIX e XX falaram. Nada mais!
Na inveja existe uma desarmonia entre a vida e a vontade nobre de poder. O invejoso não quer ser como o invejado, ele quer antes acabar com o seu sofrimento interior de diferença em relação ao outro que ele vê como diferente e bem sucedido; o outro, que o invejoso, no fundo, sabe que vale mais; mas que não pode compreender, porque não o vê bem, já que a cegueira do invejoso só lhe dá luz sobre si mesmo e não sobre a humanidade do objecto da sua inveja. O invejoso desconhece o ser do invejado. E é por isso que não suporta ouvir falar ou ver o ser invejado. Daí que: «A inveja não procura, afirma. Não escuta, murmura. Não vai para o objecto, diferencia-se dele, atira-o para longe como que ofuscada pelo esplendor que entreviu e pelo qual foi perturbada. É esta a transfiguração invejosa».
A negação das coisas e dos actos do invejado pelo invejoso existe, como tal, quando não há ameaça à fé, mas sim ao valor pessoal que o invejoso dá a si próprio, de molde a que nada possa ou consiga aprender com o invejado. E este pobre quadro floresce se a sociedade não estiver bem organizada colectivamente, assente em valores ascendentes e fortes, porque nesse tipo de sociedade os seus valores são frágeis, discutíveis, podendo todo e qualquer ser humano querer ter o mesmo valor social do outro, abrindo assim caminho à triste paixão da inveja. Esta é, assim, tanto mais forte quanto mais fracas forem a sociedade e as raízes pessoais e intelectuais de cada um.
5. Um dos maiores segredos da vida é saber como reduzir a força da inveja. Tal redução passa sempre pela distância e pela força vital do movimento progressista do invejado.
Este deve ter sempre presente a possibilidade de “viajar com saúde vital” ao longo da vida. É que, como canta MARK KNOPFLER no seu “The last laugh” (Sailing to Philadelphia, ed. 2000), pode acontecer algo como o seguinte:
They had you crying but you came up smiling (Eles pensavam que choravas, mas vieste a sorrir)
They had you crawling and you came up flying (Eles pensavam que rastejavas e vieste a voar).
Paulo H. Pereira Gouveia, in Jornal da Madeira de 30-11-2003.
1. «A inveja é um mecanismo de defesa que pomos em actuação quando nos sentimos diminuídos no confronto com alguém, com aquilo que tem, com o que conseguiu fazer. É uma tentativa desajeitada de recuperar a confiança, a estima de nós próprios, minimizando o outro», escreveu FRANCESCO ALBERONI, no seu “Os Invejosos” (5ª ed., 2000, Bertrand Editora, tradução do original italiano “Gli Invidosi”, de 1991).
Olhemos, pois, a inveja. É este o exercício intelectual e opinativo que ora me proponho, seguindo os passos do livro do sociólogo italiano referido; um exercício não jurídico, para variar. E, para não variar, um escrito com a intenção de discutir, opinando séria e fundamentadamente; e de opinar, discutindo séria e fundadamente.
É voz corrente (pensamento?) entre nós, portugueses e madeirenses, que somos invejosos, ou melhor, que os outros portugueses/madeirenses são invejosos; e que isso é uma das causas do nosso “atraso”. Devemos, por isso, abordar tema tão corriqueiro, que é base de “corrosões humanas e sociais e até económicas”.
2. Na inveja há um confronto, subsequente a uma necessidade interior de defesa e resposta, com deformação ética. Um confronto interior com terrível dispêndio de energias. É que, afinal, o terreno onde germina a inveja parece ser o mesmo onde germina a competitividade; mas, depois, tudo se tolda: o invejoso perde-se e perde dentro da sujidade da inveja, desviando a energia positiva da competição para o pântano confuso e trapalhão da cólera, do ódio, da tristeza ou da renúncia interiores, iluminado pela frustração e pela mesquinhez disfarçada de distância.
No entanto, esta artificial distância do invejoso em relação ao invejado enfrenta um contradição insanável: a necessidade de julgar o outro. É que quando o invejoso julga, ele está a evitar a auto-humilhação ao invejar, pois nesse momento ela é um recuo estratégico para fugir à evidência que o corrói; e o invejado é, à vista do invejoso, melhor do que ele.
Mas, uma vez mais, o invejoso falha: o seu próprio veneno, com que agride, sufoca e intoxica o outro (o invejado, o ambiente), esse veneno também o miserabiliza mais cedo ou mais tarde, porque o invejoso também vai respirar o ódio ou a troça com que agride os outros. É que, mais cedo ou mais tarde, a condenação social descobre o invejoso (aquele que involuntariamente se sente menos) e, por isso, se vicia num ódio intermitente, num zombar ou numa distância artificiais em relação às vítimas da sua inveja, com a consciência do mal que quer fazer ao outro quando a “paixão” da inveja o atinge; é isto o que, afinal, define o invejoso. A inveja é, assim, um mal que o invejoso sente que recebeu, mas que ninguém lhe fez, em que a experiência interna do invejoso não se coordena bem com o juízo moral da sociedade sobre as virtualidades das comparações, donde brota a inveja competitiva, ou depressiva, ou obsessiva, ou maldosa, ou avarenta ou iniciadora (sobre estes conceitos, v. o autor citado, na obra citada, pp. 19 ss).
3. Na inveja, o invejoso revela a sua covardia interior. Ele foge às regras sociais da sã competição. Não quer “jogar” social e lealmente. Como se sente diminuído, convence-se de que naquela arena irá sofrer; então, cria uma arena artificial, a sua, para onde procura transportar outros, de forma a se sentir “social” e moralmente “normal”: aí odeia, zomba, “despreza”, finge que não vê ou que não ouve, tenta fugir ao invejado, àquele que ele pensa ser a causa da sua diminuição, que, afinal, é auto-infligida por uma mente primitiva.
4. Mas, a inveja também é parente da admiração pelo invejado? É na medida em que o invejoso luta contra a vitalidade, a força do invejado. Este, de que o invejoso não faz parte, representa um eu separado, distante, intangível para o invejoso. Este descobriu que também ele tem de conquistar; e é neste momento que algo no invejoso o impele à energia descendente da inveja e não à força ascendente do respeito ou da admiração pelos outros.
E isto é assim por quê? Porque o invejoso não quer ser como o invejado. Ele quer os resultados e o poder deste, seja a realização pessoal ou profissional, a auto-satisfação, a força ascendente, próxima da noção de energia vital de que tantos filósofos do século XIX e XX falaram. Nada mais!
Na inveja existe uma desarmonia entre a vida e a vontade nobre de poder. O invejoso não quer ser como o invejado, ele quer antes acabar com o seu sofrimento interior de diferença em relação ao outro que ele vê como diferente e bem sucedido; o outro, que o invejoso, no fundo, sabe que vale mais; mas que não pode compreender, porque não o vê bem, já que a cegueira do invejoso só lhe dá luz sobre si mesmo e não sobre a humanidade do objecto da sua inveja. O invejoso desconhece o ser do invejado. E é por isso que não suporta ouvir falar ou ver o ser invejado. Daí que: «A inveja não procura, afirma. Não escuta, murmura. Não vai para o objecto, diferencia-se dele, atira-o para longe como que ofuscada pelo esplendor que entreviu e pelo qual foi perturbada. É esta a transfiguração invejosa».
A negação das coisas e dos actos do invejado pelo invejoso existe, como tal, quando não há ameaça à fé, mas sim ao valor pessoal que o invejoso dá a si próprio, de molde a que nada possa ou consiga aprender com o invejado. E este pobre quadro floresce se a sociedade não estiver bem organizada colectivamente, assente em valores ascendentes e fortes, porque nesse tipo de sociedade os seus valores são frágeis, discutíveis, podendo todo e qualquer ser humano querer ter o mesmo valor social do outro, abrindo assim caminho à triste paixão da inveja. Esta é, assim, tanto mais forte quanto mais fracas forem a sociedade e as raízes pessoais e intelectuais de cada um.
5. Um dos maiores segredos da vida é saber como reduzir a força da inveja. Tal redução passa sempre pela distância e pela força vital do movimento progressista do invejado.
Este deve ter sempre presente a possibilidade de “viajar com saúde vital” ao longo da vida. É que, como canta MARK KNOPFLER no seu “The last laugh” (Sailing to Philadelphia, ed. 2000), pode acontecer algo como o seguinte:
They had you crying but you came up smiling (Eles pensavam que choravas, mas vieste a sorrir)
They had you crawling and you came up flying (Eles pensavam que rastejavas e vieste a voar).
Paulo H. Pereira Gouveia, in Jornal da Madeira de 30-11-2003.
Comentários
gosto do alberoni
jocas mradas
quanto ao mais, o que é, é! é a força do ser! a única diferença de assinalar, é que o texto me parece exemplar.